domingo, 11 de outubro de 2009

William Burroughs 1914-1997 - Documentário de Jean-François Vallée







William Burroughs
1914-1997
Documentário de Jean-François Vallée
Tenho certeza que nosso jovem americano ... Sr. Burroughs não quer que peguem seu chapéu. Ladrão ! Ladrão! Ladrão!
“Um vento ruim, que sem dúvida soprou lá nos corredores das prisões, vem agora soprar aqui, inocente como a neve.” (Moby Dick)
“Ele observava. E por isso que diziam o homem invisível. Ele era visto ali e, cinco minutos depois ,ele estava em frente ao consulado francês com seu sobretudo, assim, e seu chapéu, muito sério. Não sabíamos se ele estava drogado ou se era uma posição de alerta. 'Cuidado comigo!' Entende? É como se ele dissesse 'Cuidado comigo, sou um homem perigoso!'”
Vá em frente, Kid, seja um bom branco. Afinal, o resto é gado, é gente ordinária. E me faz mal ver um garoto cheio de futuro se perder. Você não pode renegar seu sangue, você é branco, branco. Não se pode sair do caminho assim. Isso não leva a nada.
“Sua missão era libertar-se de seu passado, das coisas que o condicionavam ao ponto que ele perdia o controle de si mesmo.”
A enfermeira passa com sua bandeja de prata alimentando os drogados. Eles a chamam de mamãe. Vocês não chamariam?
Um agente só pode controlar outros milhares, mas ele precisa das coordenadas.
O inferno em nome da liberdade.
O ser humano como um produto de consumo qualquer.
Alguns vivem sob o efeito da droga, outros ultrapassam os limites de certas práticas sexuais.
Um de nossos agentes se faz passar por escritor, autor de um romance pornô, no qual ele descreve o orgasmo. Era uma armadilha e eles caíram nela.
Todos, cedo ou tarde, dirão as mesmas frases, feitas das mesmas palavras, a fim de ocupar no ponto de intersecção, a mesma posição no espaço-tempo. Um modo bem medíocre de exprimir conhecimento e reconhecimento.
O drogado nu sob o sol
Não há mais drogados na esquina da 103 com a Broadway esperando o contato. Os traficantes foram embora. Mas o cheiro ficou. Ele impregna, segue-o até o fim da rua, depois arrefece como um mendigo que desanima. Eu corria ao lado de meu corpo tentando parar o linchamento como um pobre fantasma, pois não passo de fantasma e procuro o que procuram meus semelhantes, um corpo, para romper a longa vigília, a corrida sem fim pelos caminhos do espaço.
Você espera a todo momento, ver uma poça de protoplasma saltar do drogado e o lambuzar. É nojento. No entanto, todos os rapazes serão assim um dia. A vida não é peculiar?
Os delinqüentes de hoje
“Os fatores a que estamos expostos determina o que somos. Seja os valores da sociedade, seja o código dos criminosos.”
Possessão é como chamam isto, é falso. Nunca estou assim. De alguma forma, estou fora disto, meio em desordem, no interior da camisola de gelatina, dando origem a formas diferentes a cada movimento, cada pensamento, a cada impulso de uma inspeção sem rosto.
“Enfiadas no gargalo do tempo, a maioria das pessoas vai para um universo fraturado.”
Se eu evito, de maneira geral, recorrer à tortura, que tende a cristalizar a oposição e a mobilizar as forças de resistência, estimo, por outro lado, que a ameaça de tortura contribui a suscitar no sujeito um sentimento de impotência disfarçado de gratidão em relação ao inquiridor que não se utiliza dela.
Em meio à reclusão, a boca e os olhos formam um só órgão que absorve essas idéias transparentes. Os órgãos perdem toda a sua constância, quer se trate de sua posição, ou de sua função. Órgãos sexuais aparecem por todo lado, outros órgãos se abrem e se fecham, o organismo muda de textura e de cor, variações alotrópicas reguladas com precisão milimétrica.
É a velha história da droga. Você congela o pombo e, quando descongela, isso dói.
Formas de sexo e de dor eclodem na carne paralisada, então, você precisa de mais.
Copulemos sobre um amontoado de lixo, excremento de sucata enferrujada num calor branco. Um panorama de cretinos se estende até o horizonte. O silêncio é absoluto. Teremos cortado os órgãos da palavra, exceto o crepitar de faíscas e o tênue estalo de pedaços de carne queimados, que se ouve enquanto os cretinos se aplicam mutuamente eletrodos ao longo da coluna vertebral.
Saint-Louis
Eu nasci em 1914, numa casa de tijolos vermelhos de três andares, numa grande cidade do Meio Oeste. Minhas primeiras lembranças são coloridas pelo terror dos pesadelos. Eu tinha medo de ficar sozinho, medo do escuro, tinha medo de adormecer por causa dos pesadelos, onde o horror parecia sempre muito real.
Eu me lembro de um sonho de infância. Estou num belo jardim. Eu toco as flores e elas murcham sob meu toque.
A música remonta aos anos 20. Um menino de 10 anos que faz guarda calçadas degradadas, terrenos de periferia, vozes de Music Hall. Somos um fluxo ininterrupto de acontecimentos distantes e evacuamos os traços de um tempo de que havia me esquecido, ar úmido e sujo em uma garagem, odor agudo que penetra , eu procuro, ele partiu.
Eu era aluno no rancho-escola de Los Alamos, no mesmo lugar onde mais tarde foi criada a bomba atômica. A bomba que explodiu em Hiroshima, prova na noite que nossa bandeira já tremulava lá.
“Este garoto está podre até a medula e ele fede como um gato vira-latas”, proclamou o juiz Farris. E era verdade, quando estava excitado ou nervoso, Kim ficava vermelho e emanava um vapor animal rançoso. “Esta criança não é sã”, observou o senhor Bienveillant, com sua discrição habitual. Eu confiei a meu diário meu amor platônico por um outro garoto. O que me afastou, em seguida, e por muito tempo, da escrita.  
Não eram as passagens sexuais, era a terrível falsidade das emoções exprimidas.
“Sua paixão homossexual começou em Los Alamos. Mas ele só teve sua primeira relação em Nova Iorque. Nos anos 40, quando por frustração amorosa, ele cortou um dedo.”
1932: Harvard
“Ele tinha uma grande educação, ele conhecia História, conhecia o misticismo. Aliás, nas próximas décadas, os professores terão muito trabalho, pois há muita coisa sobre ele que ainda não é conhecido.”
"Burroughs parte para Viena, onde estuda Medicina. A guerra começa, ele tenta entrar para a CIA, mas não é aceito."
De volta a Nova Iorque, faço pequenos trabalhos: detetive particular, exterminador de baratas, barman, flertei com o crime, foi nessa época que entrei em contato com a droga.
“Vivendo ali, Burroughs encontra Ginsberg e Kerouac e se torna padrinho, à sua revelia, da geração beat.”
“Para começar a escrever seriamente, ele precisava de um público, este foi o papel de Allen Ginsberg e Jack Kerouac, através das cartas que lhe escreviam.”
“Burroughs se apaixonou por mim, dormimos juntos, eu vi sua ternura, sua vulnerabilidade, sua solidão e me senti privilegiado:  - Só eu tenho a chave dessa parada selvagem.”
“Burroughs se casa com Joan e tem um filho, Billy Junior, cultiva maconha e legumes no Texas. Depois heroína. A família vai para Nova Orleans. Joan vive sob o efeito de anfetaminas, Burroughs usa todo tipo de drogas.”
Vem-se a Nova Orleans para se divertir, no entanto é uma rede complexa de tensões labirínticas que frustra aqueles que buscam o prazer. Eu não encontro estes bairros da droga por respeito, mas por instinto. A droga começa a dançar em minhas células como a varinha mágica do mago perto da água. Sentado em minha cela, me sinto reduzido a um monte de ossos.
“Ele sabia o que ia acontecer no mundo atual. Quando ele escreveu “The Algebra of Need”, quando ele fala do drogado de base, na base da pirâmide da necessidade, é o modo de relação entre viciado e traficante simplificar e degradar o consumidor, assim como a substância. Simplificar a droga e o consumidor dela.”
Professor Shaeffer, criador da lobotomia, estou lhe enviando minha obra maior, o manual do super-americano feliz, aquele que faz sua entrada num calabouço de escravos, que vegetam sobre estrados, com suas expressões selvagens. O super-homem se agita, sua carne se transforma em líquido viscoso e translúcido, que se volatiliza em fumaça esverdeada, revelando um monstro de patas pretas. O tornado de vento negro da morte turbilhona sobre o universo, querendo fugir dos delitos de cada um, os carregadores dessa carne cheia de terror que flutua sobre a curva das probabilidades. Conceitos abstratos. Tão ruins quanto uma forma algébrica que se reduz a uma tela escura.
Um livro pode ser uma arma, uma teoria pode ser uma arma. A transformação da matéria em energia é uma ameaça ao planeta, uma fórmula sobre o quadro negro.
“William tinha um gravador com o qual gravava sons de motins e reproduzi-los depois para incitar outros distúrbios ou tocava essas colagens provocativas em frente a um restaurante, aonde ele havia sido maltratado. Era um tipo de feitiço.”
Afinal de contas, ele sempre foi um médium. Deixe-os para fora, tranque a porta, expulse-os para sempre, troque a porta e troque a fechadura.
Os vírus são programas de replicação, talvez extraterrestres. Mas, estes vírus estão aqui, eles são sempre autoritários, dogmáticos, normalmente são contra drogas e sobretudo antiespirituais, profundamente antiespirituais. Eles querem as pessoas lá aonde elas estão.
“É um personagem que, pelas circunstâncias e pela vida que escolheu para ele, sempre esteve em viagem, sempre esteve envolvido com histórias extraordinárias, entre foras-da-lei, esteve na prisão, foi condenado muitas vezes.”
1949: Texas, perto da fronteira
Um grande porto tranqüilo de óleo e de sangue, com grandes tochas de gás abandonadas que queimam num horizonte enfumaçado. Tubarões envenenados nadam na água negra, cuspindo o hálito de seu fígado putrefato e sangrento.
A América nua se consuma no amor diante de seu reflexo a lápis do meu traseiro. Eu peido ambrosia e cago ouro. Do meu pinto jorram diamantes ao sol da manhã e eles mergulham, rodopiando, do alto do farol cego , mandando beijos e se preparando diante do espelho opaco, acompanhados de abóbadas oblíquas e capotas em forma de cripta e um mosaico de mil jornais através de um cidade de tijolos engolidos para ir, enfim, se abrigar na lama preta em meio a garrafas de cerveja e latas de conserva. E os cadáveres dos gângsteres jazem no concreto, as pistolas destruídas frustram os dedos gozadores dos especialistas em balística. E ali, cingido de fósseis, ele espera o lento strip tease da erosão.
Jogadores de xadrez, cor escura, povo de peixes jogando pela beleza, juram em suas transcrições envolventes. Eles existem em depressões diferentes, jogando seu próprio jogo de regras sombrias. Assim, um jogador pode ver no jogo grande alegria ou um destino terrível, ver qual seja seu próximo lance. Ver também o que sempre o espera e que traz grande sofrimento. Ver o que pode tornar as festas requintadas.
O grito jorra de sua carne, atravessando um deserto de vestiários e dormitórios, o ar mofado de uma pensão de temporada, a imensidão empoeirada de hangares anônimos e de entrepostos de alfândega atravessa pórticos em ruína e de volutas de gesso borrado de mictórios de zinco corroídos em uma renda transparente pela urina de milhões de latrinas abandonadas às más drogas e exalando miasmas de merda voltando em pó, campos de totens fálicos erguidos sobre os túmulos das nações moribundas num sussurro queixoso de folhas ao vento. Atravessando ainda o grande rio lamacento onde flutuam árvores de galhos cheios de serpentes verdes. E, do outro lado da planície, longe, lemurianos de olhos tristes contemplam as margens e se escuta no ar tórrido o amarrotar de folhas mortas das asas dos abutres. O caminho é juncado de preservativos furados e de ampolas de heroína vazias e tubos de vaselina secos como o sol do verão.
A caminho da Cidade do México
No México, o negócio é encontrar um drogado local munido de uma prescrição que lhe propicia doses mensais.
O amor que cai é quebrado na permutação das metades do corpo. Eu sou o espectador eterno separado por um abismo insondável de conhecimento, espalhando meus espermas nesse mundo cheio de mulheres vadias, onde só sobrevivem os fortes. Movidos pelo sexo, pelo dinheiro e pela bebida, observando a passagem do tempo como mero espectador da vida, sem pensar em nada e a dor insuportável da desencarnação. Pontos prateados explodem diante de meus olhos e as cores das ruas não dão vida à cidade que agora se encontra em um marasmo eterno. Triste espectro em visita a uma cidade morta. Estes garotos evocam corpos que há muito tempo viraram poeira, eu os chamo sem garganta, sem língua, através dos séculos: Paco, Roselito, Henrique. Muito sangue foi derramado, explicaram que só restava um corpo e que iam pendurá-lo e, quando isso acabar, tomarei este como meu corpo. Os dirigentes emitem raios sobre a imagem que inunda o mundo de réplicas.
O filme, na verdade, se torna instrumento e arma de monopólios. Trabalhe para os estúdios de realidade, senão você vai ver como é trabalhar fora do filme. Literalmente, apenas este filme poderá fazer com que você viva na realidade e deixe a monotonia de lado e esqueça aqueles velhos objetos e as pessoas que se foram.
E, sob a razão do sofrimento, do sexo e da morte, tudo isso foi para guardar os prisioneiros humanos presos em seus corpos físicos, revelados pelos monstros assassinos tatuados em seus corpos.



3 comentários:

  1. ai,muito caótico. mas gostei dessa parte aqui:
    Se eu evito, de maneira geral, recorrer à tortura, que tende a cristalizar a oposição e a mobilizar as forças de resistência, estimo, por outro lado, que a ameaça de tortura contribui a suscitar no sujeito um sentimento de impotência disfarçado de gratidão em relação ao inquiridor que não se utiliza dela.

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