terça-feira, 29 de junho de 2010

Clean, Shaven (Lodge Kerrigan) e a verdade violentada

Hello, hello, Daddy, are you there? Hello, hello, Daddy, are you there? Hello. Daddy, are you there? Hello.”

Não achei esse filme tão brilhante quanto conferi em análises de cinéfilos espalhadas pela Internet, principalmente devido a uma questão de saúde pública. Publico minha análise sobre o filme na tentativa de desmitificar a esquizofrenia como um transtorno necessariamente ou frequentemente violento.

Clean, Shaven, revela uma luta invencível pelo controle do equilíbrio psíquico, vivenciada por um esquizofrênico e assassino. Este, bombardeado por delírios persecutórios e alucinações ininterruptas, retratada por estáticas radiofônicas e vozes invisíveis crucificadoras, chega ao ápice do desespero ao recorrer à automutilação e ao assassinato. Isso é fórmula chiclete para consumo em progressão geométrica, incoerente cientificamente. Óbvio que não só esse filme, mas toda a indústria do entretenimento é adepta desse tipo de distorção. Aliás, conferi que o próprio diretor supracitado abordou enredo similar a esse em Keane. Agora vamos à ciência.

As manifestações de violência dos psicóticos costumam ocorrer na mesma proporção da violência praticada pela população em geral.
Hafner e Bocker realizaram na década de 80 um estudo epidemiológico acerca dos crimes de violência e distúrbios mentais. Levantaram os prontuários policiais e médicos de 10 anos na Alemanha, onde os índices de solução para crimes ultrapassa 95%. Um primeiro resultado foi a proporção de criminosos com distúrbios mentais entre a população estudada: dos criminosos, apenas 2,97% tinha problemas mentais. De posse dos dados, foi calculada a probabilidade de um doente mental tornar-se um criminoso violento. Para a esquizofrenia, a probabilidade é de 0,05%, ou seja, 5 agressores violentos entre 10.000 esquizofrênicos. Para a psicose afetiva, a probabilidade é de 0,006%, ou de 6 violentos em 100.000 doentes. Os autores concluíram que os crimes violentos cometidos por doentes mentais são quantitativamente proporcionais ao número de crimes de violência cometido pela população geral. Este trabalho foi replicado em outras populações e em outros períodos e encontraram o mesmo perfil de resultados.

Boa parte dos trabalhos científicos não encontrou diferença estatística na prevalência da violência em doentes mentais sem abuso de substâncias, quando comparados com a população geral, sendo que o risco de violência em indivíduos da população geral com abuso de álcool ou drogas foi duas vezes maior do que em pacientes esquizofrênicos sem esse abuso.
O senso comum que classifica o esquizofrênico como violento é fruto de preconceito e permissividade às ideias propagadas pelas suas comadres leigas e pela indústria do entretenimento.
Quem mais violenta é a sociedade ao “louco” e não o contrário. Os normais prendem, humilham, internam sem consentimento, sedam, demenciam e estigmatizam o “louco”.
Mais:
PsiqWeb: Curso e Evolução da Esquizofrenia
PsiqWeb: Esquizofrenias

5 comentários:

  1. Are you really surprised by this? Hollywood thrives on exaggerations and stereotypes that excite people's emotions, especially fears. No one cares about the truth so long as they are being entertained. It could still be a good film in spite of the inaccuracies, though...so how was it?

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  2. Assisti o vídeo do filme e li a matéria, é bastante visceral, bem bruto mesmo, chega a ser interessante mas não reflete a realidade pois o argumento do filme se justifica na pseudo-ciência e não na realidade científica comprovada. Concordo com os danos que a sociedade comete contra os "loucos", é fácil reparar que temos uma sociedade que faz covardias e injustiças contra minorias, muitas vezes quebrando as próprias leis construídas em valores igualitários, protetores dos necessitados, sérios em seus ideais e completamente utópicos em termos práticos na maioria dos casos.

    É comum que a maioria das pessoas temam o que é desconhecido, desconexo com padrões impostos, deslocado e excluído pelo sistema em que vivemos, não poderia ser diferente com os "loucos" que por vezes não têm necessidade de internação mas que sendo mal interpretados e diagnosticados de forma superficial e incompetente. Este acabam por ser enviados para hospitais psiquiátricos onde sofrem maus tratos, abandono familiar, condições de vida miseráveis, rotina ociosa e massacrante e demais problemáticas que criam um sistema decadente e excludente. Esse sistema sujo é capaz de destruir a vida dessas pessoas, podendo gerar danos irreversíveis à mente humana já doente e também fere pessoas de mente saudável que podem estar internadas por puro erro de especialistas em saúde mental.

    Conheci o caso de uma mulher nordestina que queria ser cantora de baião e a família não deixava, então a internaram num manicômio onde ela só saiu após décadas quando descobriram que ela nunca foi louca. Esse caso foi relatado por minha amiga Shirlei Massapust e não recebi informações referenciais sobre esse caso. Era uma conversa informal e estávamos interessados em outros assuntos.

    Segundo a Wikipedia "o movimento pró Reforma Psiquiátrica no Brasil teve início na década de 1970, por reivindicação de médicos e familiares de pessoas com transtornos mentais.

    A reforma psiquiátrica é o tema de um debate em andamento no Brasil há anos, as resoluções tomadas neste processo ainda não foram totalmente implementadas. Em abril de 2001 foi aprovada a Lei Federal de Saúde Mental, nº 10.216, que regulamenta o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil."

    Eu fiz estágio em uma clínica psiquiátrica, a Clínica EGO localizada no município de Tanguá-RJ, essa cidade é rural com belas paisagens de fazendas, morros e outras atrações naturais com largas estradas e construções geralmente distantes umas das outras. Ao chegar na clínica fomos instruídos sobre os detalhes básicos, fizemos visita aos alojamentos e nosso preceptor de estágio determinou atribuições e metas de enfermagem para nós. Conversamos com alguns internos e encontramos os tipos mais diferentes de pacientes, foi realmente um encontro interessante com uma realidade completamente diferente da habitual de outros estágios.
    Pudemos acompanhar como vivem os "loucos" e como interagem com enfermeiros, foi marcante conhecer o lugar e as pessoas que residem lá, conseguimos desenvolver pouco trabalho pois essa clínica era afastada demais para que pudéssemos realizar um estágio mais longo naquele ambiente. Ter esse passeio não foi só uma obrigação curricular da grade acadêmica, foi também uma aventura para quem soube apreciar tais momentos.

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  3. o psiquico é sempre uma discussão muito abrangente, vou pesquisar o filme, embora, segundo oseu post ele seja complexo...

    bjokas

    http://www.pequenosdeleites.blogspot.com

    ps.: postei coisa nova lah no deleites

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